sábado, 6 de junho de 2009

O Grupo do Beco


O Grupo do Beco, sediado no Aglomerado Santa Lúcia - uma das Maiores favelas de Belo Horizonte, desde 1995 desenvolve, através da arte do teatro, um trabalho que alia a busca de qualidade e a transformação social. Atualmente composto por sete jovens moradores do Aglomerado - 3 atrizes, 2 atores, 2 produtoras –, vem construíndo, desde sua fundação, um trabalho baseado nas referências da cultura local em diálogo com outras, eruditas, com o intuito de ampliar as possibilidades de expressão dos moradores daquela comunidade. Seu esforço é o de fazer com que o teatro, atividade popular em sua origem, mas elitizada em nossos tempos, volte a ser acessível ao povo.

Nos últimos 8 anos, o Grupo tem investido no aprimoramento de seu trabalho. O objetivo é tornar-se referência na área artística, tendo como diferencial uma atuação sociocultural. Para tanto, conta com a orientação do produtor e gestor cultural Romulo Avelar, que coordena um trabalho constante de planejamento e produção; busca, também, aperfeiçoar a formação de seus integrantes, tanto no campo artístico, quanto no de produção.

BENDITA a voz entre as mulheres

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Que tipo de comunicação do Aglomerado Santa Lúcia atinge diretamente o morador?


A pergunta acima foi, propositalmente, uma auto provocação; já que participo de um grupo que tem a comunicação como mote principal do nosso trabalho: o teatro. Além de um espetáculo teatral ser um meio de comunicação, ele por si só não se divulga. Como fazer para trazer os moradores para as atividades culturais, reuniões, seminários e eventos da comunidade?

Transitando pelas ruas do morro, observo sempre que os veículos de comunicação usados para tentar agregar as pessoas em atividades variadas são sempre os mesmos: faixa, carro de som, cartaz, distribuição de “mosquitinhos”.

Percebo que houve uma acomodação das pessoas, que promovem seus eventos, em acreditar que estes são os meios de divulgação mais competentes e que, apenas eles bastam para levar o público às suas atividades.

As pessoas buscam criatividade. Inclusive na abordagem e no convite à participação. Se há um diferencial na abordagem de divulgação, entendem que a atividade também terá novidades. Talvez isso ocorra não apenas na comunidade, mas optei por pesquisá-la, por isto a menciono especificamente.

Li as faixas e cartazes do Orçamento Participativo espalhados pela Vila Estrela. A redação abordava a importância da participação dos moradores: “...o seu voto pode ajudar a conquistarmos a quadra da Vila”. A minha rápida visita à esta reunião me fez constatar que, pelo número de faixas e cartazes espalhados, a participação da comunidade deveria ter sido maciça, o que não aconteceu. Tinha um número considerável de pessoas, mas o ideal? .

Pelo menos duas vezes por semana um carro de som circula pela comunidade com um integrante de uma igreja evangélica divulgando seus cultos. Passei na porta dessa igreja, no horário divulgado pelo carro de som e percebi que as pessoas que estavam no culto eram as mesmas que sempre estiveram. Era isto que esta igreja esperava com a sua divulgação?

Resolvi fazer uma pesquisa rápida em algumas casas e lançar algumas questões: Você participa das atividades culturais (shows, teatros, bailes...) reuniões e eventos na comunidade? Como você fica sabendo das coisas que estão acontecendo? Você acha que os meios usados para a divulgação destas atividades te atinge? Que sugestão você tem para que chegue até você a informação a respeito das atividades que estão acontecendo?

Grande parte das pessoas diz que no fim de semana quer cuidar dos filhos, da casa e descansar. Há quem se envolve em alguma atividade quando tem algum conhecido participando diretamente do evento. Essa mesma maioria disse que passa pelo cartaz rapidamente e lê só o resumo da atividade. Se for do seu interesse vai. Um grupo considerável de pessoas disse que já não aguenta mais ler cartazes, receber filipeta - o famoso mosquitinho - e que tem tanta faixa que nem se esforça para levantar a cabeça. Percebi que o envolvimento real é tendenciado pela religião, seja evangélica, católica, espírita, umbanda... a fé move as pessoas.

O que me esperançou foi quando lancei a pergunta: qual sugestão você dá para que o evento, reunião, show... chegue até você?
As sugestões partiram de inovações e de exemplos já utilizados na comunidade, em especial por atividades que o Grupo do Beco realiza e a equipe da Revista da Laje.

Foram lembradas atividades como o “Cortejo da Memória” e “Lançamento da Revista da Laje” que ficaram marcadas pelo fato de inserir as pessoas da comunidade na atividade, ou seja, essas mesmas pessoas comunicavam aos seus parentes e conhecidos que faria uma intervençao e os convidavam a participar da atividade por este motivo. “Eu falei no cortejo e os meus amigos ficam sempre me perguntando quando é que eu ou falar de novo.” – e me devolveu a pergunta que lhe fazem – ”Quando é hein?”

“Quando uns palhaços andam pela comunidade eu fico pensando que vai ter um show maior, aí eu vi que era só os palhaço mesmo” (Sic) – comentou um morador ao lembrar-se desses personagens que circularam pelas ruas do aglomerado e faziam intervenções a partir do dia a dia do morro. “Eu vejo aquela menina do teatro de vocês com uma janela na mão e já sei que ela vem contar novidade boa”.

O Grupo do Beco às vezes circula com atores e atrizes caracterizados pela comunidade. A credibilidade que a favela tem para com os personagens é decorrente das atividades que são divulgadas. Atividades estas que trazem, muitas vezes, benefícios para seus moradores.

A sugestão mais inovadora que surgiu foi a de cadastrar pessoas da comunidade que se disponham fazer o “boca a boca”: “Podia ter umas quinze pessoas em cada comunidade que ficaria de referência para receber as ligações do evento e ir falando para os amigos. São cinco comunidades, quinze pessoas em cada comunidade, cada um chama cincopessoas. Dá trezentos e setenta e cinco pessoas, quase quatocentas”.

No fim das contas constatei o óbvio: basta ouvir o nosso público que ele nos dá nortes, suls,lestes e oestes para nos guiarmos.

Só perde o caminho, ou divaga por longas estradas, quem não pergunta para os nossos sábios os atalhos existentes na sua vivência.

Falou a voz da comunidade, não a minha.


Nil César é Diretor, Arte Educador e Coordenador do Grupo do Beco.

Texto originalmente publicado em http://www.morrodopapagaio.org.br

MORRO DE AMORES

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PRÊMIOS

Premiados com o Teatro na laje em 2005, pela Instituição BrazilFoundation.

Outros prêmios:

Prêmio: Quilombo do Papagaio
Categoria: Instituição do Quilombo
Instituição: Paroquia Nossa Senhora do Morro / Quilombo do Papagaio
Ano: 2003

Prêmio: Waldir de Luna Carneiro
Categoria: Espetáculo de Rua - Melhor Comunicação com o público
Espetáculo: Coisa de Criança
Instituiçao: Fetemig
Ano: 1999